segunda-feira, 21 de março de 2016

Maria Bethânia| O que é teu já tá guardado. Não sou eu quem vou lhe dar


Tenho ouvido muito Bethânia, em quantidades absurdas. Sempre gostei, mas não sei bem porque se tornou algo mais intenso. Mas tô aproveitando.

Já ouvi a discografia dos anos 70...80 e toda poesia que a musicalidade da filha de Oya tem nos dado nos últimos anos. Não sei se toda essa atração para a música dela tem a ver com a identificação porque, no final das contas ela é o que toda mulher na minha posição quer se tornar. Muito dona de si, muito cheia de si. Mas ao mesmo tempo Dona Betha é poética, sutil, sensível e faz isso ecoar em seus trabalhos. Como diria Andrea Mendes, minha mãe de alma e de todas as vidas, “é sua lua em Peixes...”. Deve ser mesmo. Eu sou uma ogra com coração de chocolate suíço.

No meu atual momento de vida, toda sutileza e beleza me toca. A sensibilidade tem me atraído tanto que tenho repensado meus sonhos e relacionamentos. Acredito que estou para além de mim mesma, e isso me leva a Bethânia.

Imagina, um dia desses recebi uma bela de uma “pedrada”, o que me fez desacreditar em definitivo dos seres humanos. Pessoas são tão pequenas perante a grandiosidade dos sentimentos, coisas são tão vãs perto das dores. Algumas pessoas não conseguem ter o mínimo respeito pelas próprias memórias, pelas próprias histórias. Pessoas querem coisas, e naturalmente são apenas o oco. E isso foi tão traduzido, para mim, por Maria Bethânia em Carta de Amor.

Quando essa “trovoada” caiu no meu terreno eu pensei “eu tenho que ser forte, eu não tô só”. Aí a Filha de Iansã se mostrou, e me disse onde a sensibilidade habita.

Você pisa na terra mas não sente, apenas pisa.
Apenas vaga sobre o planeta, e já nem ouve as teclas do teu piano.
Você está tão mirrado que nem o diabo te ambiciona, não tem alma.

Basicamente, quando ouvi Carta de Amor soou como uma oração. Não sou dada às seriedades da vida, sou uma “avacalhadora” nata. Mas ando perplexa com a dissimulação, com a maldade e, mais do que isso, com a falta de empatia. Como pessoa mística que sou, acreditar que tudo que pensamos e fazemos nesse plano tem verdadeiramente poder em um plano que não enxergamos. E quando me deparo com a frieza humana fico chocada e isso me parte em mil.

Mas eu tenho um alento. Dentro da minha mística, da minha herança cabalística e mais do que isso, o sangue do deserto que corre em minhas veias, eu creio piamente na existência de algo maior do que eu, maior do que a própria existência humana. Meus ancestrais me dão esse sentimento. Então eu nunca estarei só.

Pensou que eu ando só? Atente ao tempo. Não começa, nem termina, é nunca é sempre.
É tempo de reparar na balança de nobre cobre que o rei equilibra, fulmina o injusto, deixa nua a Justiça.

A música é uma prece, até acho que é a única maneira pela qual eu consigo e sei orar. Dessa forma eu tenho muitas orações. Me sinto protegida, viva. Música é expressão de amor, e o amor é o retrato mais lindo do divino. O medo não pode me achar se eu realmente acredito que não ando só. Quando temos medo do escuro apenas estamos representando o medo da solidão, dessa forma, quem nunca anda só jamais poderá ter medo. Minha espiritualidade é musical.

De tal maneira, se eu não acredito na posse de coisas e creio ferozmente que estou aqui de passagem, eu nada posso dar que não seja sentimentos e canções. Tudo que tenho na vida é imaterial ou, no máximo, está transcrito em papel. Quando as pessoas me perguntam o que eu gostaria de ganhar em datas especiais, eu sempre cito a minha obsessão por cartas. Acho tão lindo quando os seres humanos conseguem transcrever seus sentimentos, me dá um suspiro de fé na humanidade. Eu sou daquelas que sempre volta a reler as cartas para ver a beleza de quem a escreveu.

Você secou, seus olhos insones secaram, não veem brotar a relva que cresce livre e verde longe da tua cegueira.
Seus ouvidos se fecharam à qualquer música, qualquer som, nem o bem, nem o mal, pensam em ti, ninguém te escolhe.

Então agradeço a Maria Bethânia; por ser quem é; e, principalmente, por ter traduzido tudo que eu poderia pedir para as forças do universo em momentos de adversidade. Carta de Amor é meu mantra, preciso repetir para mim mesma que ninguém pode mexer comigo, pois não ando só. E é nessa certeza que anda minha sensibilidade, meu eu que se derrete e tem fé. Meu recado é simples:

Vivo de cara pra o vento na chuva, e quero me molhar.
O terço de Fátima e o cordão de Gandhi, cruzam o meu peito.
Sou como a haste fina, que qualquer brisa verga, mas nenhuma espada corta.
Não mexe comigo, que eu não ando só



Para Andrea Mendes, minha mãe de alma, e por isso eterna. A matriarca suprema da família urso. 

0 comentários:

Postar um comentário