Tenho evitado as redes sociais
e só observado mais ao meu redor, falado pouquíssimo e buscando reencontrar
comigo mesma no meio de toda loucura que esse ano já foi e tem sido. Mas entre
as raras passagens pelo feed de
notícias do Facebook, percebi que não vivo na tão exaltada bolha onde existe
respeito e preconceito não é tratado como opinião pessoal. As máscaras caíram e
cada dia mais as pessoas estão com menos vergonha de dizer que não há nada de
mais grave na eleição de Trump, que bandido bom é bandido morto, que Direitos
Humanos é coisa para delinquente e Bolsonaro 2018. Todos os pensamentos
putrefatos da classe média com síndrome de Estocolmo transbordando em likes.
Sobre a relativização da
eleição de Trump: vamos parar de papel de escroto, por mais que Hillary não
tivesse a plataforma política dos sonhos, dentro das possibilidades reais de
eleição -não no mundo ideal, onde Sanders seria presidente- ela era a única
alternativa mais do mesmo. O velho perfil de político ruim, ideias de manutenção
dos interesses dos EUA no Oriente Médio e muito, mas muito dinheiro jorrando da
indústria bélica feliz satisfeita com o feijão requentado à moda Democrata.
Eleger Trump foi um tiro no pé. Ele é um uma surpresa de Smurf que pode custar
caríssimo aos valores que a sociedade norte-americana sempre se gabou de
defender. Ele aponta para alianças políticas duvidosas e tem discurso
incoerente quando o assunto é política externa. Se tudo se resumisse a isso,
seria bom. Mas ele não venceu as eleições por visões de igualdade e mudança de
panorama na política norte-americana no geral, ele foi eleito por uma parcela
de estadunidenses convencidos de que o país passa por uma crise de valores
morais e que isso tem alicerçado uma derrocada econômica. É gente que acredita
que as palavras estapafúrdias de Trump surtirão efeitos messiânicos. Pessoas
que, como diriam os americanos, são o nextdoor.
É gente comum, gente de bem e que perdeu as esperanças. Pessoas que perderam
casas por hipotecas não pagas, ou que estão vendo suas pequenas empresas
falirem por dificuldades no mercado. O
que essas pessoas não conseguem enxergar, é que fazem parte de um sistema
caótico e que é programado para auto sabotagem de tempos em tempos. O capitalismo
é a piada que mais deu certo na história da humanidade. Gente sem perspectiva e
salvadores da pátria sempre rendem histórias catastróficas que depois todos
prometemos jamais repetir.
São esses mesmos que votam em
figuras messiânicas que enchem a boca para falar que bandido bom é bandido morto,
ou soltam o famigerado “leva pra casa” e o ainda mais famoso “direitos humanos
só serve para bandido”. Falácia. Países com os melhores índices educacionais
tem cerrado as portas do sistema carcerário, mas a nossa burguesia
ultrapassada, com publicidade no esquema Cidade Alerta, continua por insistir
que a resolução do problema é a construção de mais penitenciarias. É como se eu
tivesse tentando enxugar a casa com a mangueira ligada. Ideia pra gente no
mínimo mal intencionada (para não dizer que é coisa de gente mau caráter). O
que mais assusta é saber que isso não é coisa de gente declaradamente
extremista, mas sim daquele seu vizinho gente boa, do seu colega de tempos de
escola, aquele primo que jogava futebol de botão contigo. Não é nada extraterrestre,
é a realidade onde só existem duas possibilidades: ou eu tô muito maluca e
acreditando na existência de coisas impossíveis, como por exemplo existe sim
preconceito no Brasil, ou toda essa gente que eu me cerquei a vida toda é tudo
imbecil e preconceituosa mesmo e eu vou ter de repensar as parcerias.
No último final de semana foi
o dia da Consciência Negra, que em tese seria um marco para problematização das
questões de segregação no Brasil. Mas eis que me deparo com inúmeras postagens
debochando da data, que é de fato simbólica, ou aqueles que vivem no mundo de
Poliana, dizendo que precisa de dia da consciência humana. Minha chave geral
desligou aí, gente boa.
Esses são os famosos cagões de
regra que acham que tudo é mimimi. Eu pensava que essa galera tinha dormido na
virada dos anos 90 e que se perderiam por lá, mas até que eu me deparei com
pulseiras de mola colorida nas Lojas Americanas e percebi que entramos num
túnel do tempo do capeta direto para os tristes anos que “piada” com negro
pode, o PMDB voltou ao poder (saiu algum dia???), FHC é considerado um gênio e
José Serra é Ministro. Se essa festinha retrô 90 tivesse parado nas boybands, salto plataforma e no título
brasileiro do Palmeiras eu até estava tranquila, mas perceber que todos os discursos
sebosos e carregados de falta de respeito, fascismo e estupidez voltaram me
fizeram ter a certeza que esse foi o gigante que acordou há 3 anos.
O mais desesperador é notar
que esse conjunto da obra pode alavancar a campanha do nosso troll nacional. O queridinho da geração Counter Strike/Paintball tem forrado seu berço de eleitores com muita falta de
ideias e um caminhão de asneiras. O que amedronta são os sinais de apatia que
já foram dados nas eleições municipais. Quem de fato poderia fazer a diferença
não foi as urnas, ou votou na malfadada terceira via –que já sabemos muito bem
que não leva a lugar nenhum e que tende a ser cosplay dos podres poderes (leiam
Marina Silva e todos aqueles candidatos fofinhos de partidos sublegenda) - e
que no final do dia a inércia entendida como pseudo boicote ferrou você mesmo.
O derradeiro desabafo é: se
você não tem disposição, coragem ou ambas de ser frente de luta, como são esses
jovens que ocupam centros de ensino por todo país, não venha cagar regra. Acho
muito engraçado o fato de alguns ficaram dizendo “ah..mas eles só tão lá por
farra” ou “isso não vai dar em nada”. Tá bom, expertão/expertona, é tu sentado
no teu sofá de casa que vai mudar alguma coisa. E para os que simplesmente
abominam as manifestações só lembrem de uma coisa, se meus alunos de 6º ano
(com 11 e 12 anos) conseguiram entender que desde a antiguidade que algumas
conquistas só eram alcançadas através de rebeliões, e não chamando o rei para
tomar um chá, você também consegue entender.
1 comentários:
Exatamente. Essa "terceira via" é a tentativa inconsciente, cega, de negar tudo o que se reprova.
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