segunda-feira, 27 de março de 2017

Carla Morrison| Devagar para não se machucar


Minhas passagens pelo blog estão se tornando cada vez mais inconstantes. Acho que esse ano vai ser cercado dessas inconstâncias. Os dias se tonam mais curtos, parece que as horas trabalham contra e que a cada dia as obrigações se multiplicam. Esse blog nunca foi uma obrigação, nasceu no final da minha adolescência como uma forma de expressar os sentidos que as canções sempre despertaram em mim. Nas primeiras postagens, ainda era uma adolescente tentando encontrar sentido, hoje eu posso sentir como cada texto é como uma imagem do meu estado de espirito em cada uma dessas fases. Essa página é marcada por três grandes hiatos, que caracterizam de forma interessante quem eu sou exatamente agora e talvez, distinto do que eu serei amanhã.

Na primeira parte eu era uma adolescente descobrindo as coisas e a mim mesma. Meus devaneios beiravam a arrogância, aquele jeito de saber tudo que todo adolescente arrota na cara do mundo. Nessa época descobri o amor, da forma mais inusitada possível. Enlouqueci e não cabia dentro de mim, era algo grande demais para parar aqui dentro. Foi transposto e marcou minha pele para sempre. Nessa época eu nem conseguia pensar em escrever e foi a primeira pausa do blog. O desencanto me fez voltar a escrever um único texto, só para lavar a alma e desabafar. Me desgostei e entrei em um looping de “tanto faz” e fiquei estagnada durante quase 3 anos. Eu poderia ter ficado nesse “tanto faz” se a vida não tivesse me pregado uma peça. Eu não chamaria de descaminho, mas sim de “recaminho”. Tudo que aconteceu em 2015-2016 serviu para de alguma forma me mostrar novas possibilidades e crescer a vontade do reencontro comigo mesma.


Alguna vez camine sin pies
Deseando poderlos obtener
Y al mirar hacia atrás
Pude ver y encontrar
Que la decisión que di
Fue arrastrándome
Hasta poder llegar aquí
Y pude adivinar que
Me hacía falta tu luz...

 Há algum tempo não ouvia Carla Morrison. Ela já apareceu em outros textos, principalmente na época que o blog ainda estava começando. A Carla foi um achado, até hoje não lembro exatamente como comecei a ouvir o Aprendiendo a Aprender, que foi o primeiro EP dela. Na época, eu ouvia muita música indie mexicana por intermédio de Agatha (amiga dos melhores encontros em aeroporto que você respeita) e acredito que foi assim que comecei a dormir ouvindo Buena Malicia.

O segundo EP da Carla foi produzido por sua contemporânea e companheira da cena musical mexicana Natália Lafourcade. Mientras tú dormías é composto de 8 canções autorais, sendo uma escrita em parceria com Lafourcade (Pajarito del Amor). Assim como no primeiro álbum, Morrison demonstra uma delicadeza musical que nos dias de hoje é rara para o mercado fonográfico.

Volví a reconocer mi piel
Sentí brazos
Y el tiempo recorrer
Y volvió a mí la fe
Y reconocí tu luz

Tu luz é a sexta faixa do disco. Uma canção cheia de sutileza, violão, piano, algum instrumento percussivo e a voz de Carla. A melodia parece despretensiosa, mas traz consigo uma letra que desperta memorias e nos deixa vislumbrar um novo caminho.
Por esses dias a ficha caiu. Eu acredito que boa parte das pessoas ficam se enganando, achando que podem lidar com as dores sozinhas e tendem a prolonga-las e tomar o caminho de se afundarem junto com suas demandas não resolvidas. A gente fica empurrando com a barriga e se contentando com os mecanismos que nosso cérebro vai criando no meio dessa jornada. É como se sentar e apenas esperar a vida passar.

As nossas feridas são inúmeras, desde as que vamos acumulando desde a infância, até as frustrações diárias da idade adulta. A sensação é de nesses momentos nos roubassem um fiozinho de esperança que acalentávamos. Imagina, na infância todos temos um mundo idealizado na mente, onde nossos pais são nossos heróis e parecemos indestrutíveis. Bem, quando criança acreditamos até que nossos brinquedos são eternos, até que um adulto nos avisa que temos que ter cuidado para não o quebrar.  E aos poucos a inocência vai se esvaindo, por diversos motivos e temos que começar a enxergar um outro mundo, onde a superficialidade é quem dá o tom.

A gente se protege do jeito que dá. A gente se tranca, se resguarda e até vendemos a imagem da rede social que todos querem ver. Mas isso cansa, desgasta profundamente e cria feridas tão difíceis de lidar quanto as que já causaram esse estrago. A gente se afunda.
Semana passada alguém muito especial me disse para respirar, para ir com calma, devagar para não me machucar. Por algum motivo, desde então isso não saiu da minha cabeça. O quanto a gente perde de nós mesmos na pressa dos dias e na voracidade dos prazos. A gente vende a alma por coisas que enchem currículo mas esvaziam nossa singularidade. O que de fato gostaríamos de estar fazendo agora? Eu tenho alguns vislumbres. Continuar dando aulas, ter tempo para me aprofundar em assuntos ligados a Astrologia, quem sabe estudar mais o Tarô Mitológico que anda mais guardadinho do que o desejado...

Talvez tudo isso seja devaneio, mas pelo menos é uma volta ao tempo que a gente ainda acreditava em sonhos. E foi assim que Tu luz se tornou uma boa expressão musical para meus duas recentes. A gente precisa voltar a ter fé, em nós mesmos, nós outros –na medida do possível e da realidade- e acima de tudo, admitir que precisamos de redirecionamentos para enxergar o sentido de tudo, mesmo que isso nos tire do nosso lugar de conforto.

Tô ainda aqui, como uma criança que aprecia o desconhecido pela fresta da porta. Tenho medo, mas acho que maior do que o medo é a minha vontade de sair do lugar apertado e ir lá olha-lo mais de perto. Quero sentir o cheiro dessa novidade, quero me deixar transbordar por ela e para ela. Quero encontrar e abraçar com essa parte de mim que não conheço. O caminho para isso? tô buscando, e tem sido lindo me permitir a isso. 




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