sexta-feira, 12 de maio de 2017

Rihanna | A culpa não é nossa


Quando eu tinha 5 anos de idade a vida se apresentou para mim. Sem pedir licença, sem sutileza, apenas veio e deixou em mim o medo. O medo se tornou algo intrínseco a mim. Algumas pessoas falam que o medo é uma demonstração de que existe vida pulsando, mas para mim o medo é a tensão de não querer ser ferida, o pavor da reprovação de um olhar, o temor de um gesto ou uma palavra que reprime. O medo é como tocar uma ferida aberta, que por mais que se aproxime com toque cuidadoso, a dor ainda vai estar lá. Esse pavor é uma dor que calcifica.

A adolescência veio, e toda a ferida que já estava aberta apenas ganhou profundidade. Essa dor que se aprofundou, tomou contorno e preenchimento de melancolia. Você senta e passa a apenas aceitar, o que não a vida, mas o que momento oferece. A mente cria estratégias para sobreviver em meio ao caos, você entra em estado de automação. Replica gestos, falas e sorriso porque no fundo, por mais que não pareça, você quer sobreviver.

Quando tudo se torna apenas uma questão de sobrevivência o prazer dá lugar a uma couraça que tenta desesperadamente servir como cobertura para todas essas feridas que nos marcam ao longo do caminho. Tudo se torna uma questão de viver defensivamente, se protegendo, nem que para isso seja necessário mostrar os dentes e ferir alguém. Não passamos mais a viver, estamos só nessa guerrilha emocional, que é um processo cíclico e autodestrutivo.

And you got me like, oh
What you want from me?
(What you want from me?)
And I tried to buy your pretty heart
But the price is too high

Rihanna transpões tudo isso para uma música. Em seu oitavo álbum de estúdio, Anti, ela em parceria com Fred Ball e Joseph Angel lançou Love on the Brain. A décima primeira faixa do álbum foi também o 4º single da barbadense para esse trabalho lançado em 2015. Pelo que tudo indica, todo trabalho seria acompanhado de vídeos e reflexões da própria Rihanna que ajudariam a interpreta esse lançamento, mas o vazamento do material na internet interrompeu esse processo criativo da artista. Ficamos então sem o vídeo que fecharia esse processo de composição e interpretação da música. Mas a letra toma vida e folego na mente de cada um que já viveu ou vive o que ela está cantando.

Love on the Brain é sobre uma relação abusiva. Na letra ela deixa claro os vários estágios desse abuso, como a forma que sua vida está atrelada a dele (No matter what I do, I’m not good without you) e como isso a leva a aceitar a dor (So you can put me together and throw me against the wall). Ele parece como um personagem que vem e vai, aparece quando é conveniente a ele, mas a prende emocionalmente e a usa como objeto de satisfação pessoal.

E por mais que se tente ser didática, é difícil explicar para quem está de fora o mecanismo de atuação de um abuso na mente de quem sofre. Talvez algumas pessoas apenas se perguntem a motivação da permanência em uma relação abusiva, o que essas pessoas não entendem é como o abusador se utiliza de mecanismo para atrelar aquela pessoa psicologicamente a ele através da baixa autoestima, medo e inversão. Isso não ocorre apenas em relacionamentos abusivos, mas também em outros tipos de abusos, onde quem sofre o abuso não reage ou denuncia por se ver em uma dessas situações.

That’s got me feeling this way
(Feeling this way)
It beats me black and blue, but it fucks me so good

Essa dor serve como estopim de uma crise de ansiedade que toma o folego. Esse medo fomenta uma depressão, o autoflagelo da mente que carrega em si todo peso do mundo. E você se afunda, ficar só consigo mesmo se torna a solução viável de quem não aguenta mais tudo isso. Você ali, encolhido, fechado em sua concha é intocável no estratagema da sua consciência.  O que você não se dá conta é da força que carrega em si. Você sobreviveu a tudo isso e tem o direito de seguir em frente. Existe uma força interna muito maior que a dor, e essa força nos mantém vivos.


Em um dos vídeos de lançamento de Anti, Rihanna aparece ao redor de uma criança que interage com ela e lhe entrega uma coroa. Todos temos uma criança que nos espreita. A nossa criança interna que foi machucada, abatida e que sofreu com a apresentação dessa vida para ela. Alguém muito especial me disse ”olha, antes essa criança estava sozinha e não tinha como se defender. Agora essa criança tem você e você não precisa mais ter medo. Você tem como se defender”. Toda ansiedade, melancolia e o temor de enfrentar a vida não são mais um perigo real, aquele risco ao qual ficamos expostos, mas sim a memória de todo sofrimento que já foi enfrentado.

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